Desenvolvido por dois irmãos pretos, jogo apresentado na Expo Favela será lançado em setembro.
Por Danilo Queiroz (daniloqueiroz@usp.br)
Um projeto de games nas periferias que vem sendo desenvolvido é o jogo digital ‘A Cura’, idealizado por dois irmãos moradores de Vila Guacuri, na Zona Sul de São Paulo, Victor Garcez, formado em jogos digitais pela FATEC, e Leonardo Garcez, diretor de comunicação do projeto.
Conhecido após exposição na Expo Favela, o jogo se tornou necessário para curar a cegueira social imposta nas periferias brasileiras por meio da ferramenta digital. O primeiro evento de empreendedorismo periférico no Brasil ocorrido há pouco mais de dois meses em São Paulo foi o pontapé inicial para que o jogo pudesse ser conhecido pelo público. Assim, é evidente a potência que as favelas carregam por meio de ideais como essa, como dito por Celso Athayde, fundador da Central Única de Favelas (CUFA) e idealizador do evento.
Vitor juntamente com mais nove participantes foram selecionados para participar da “Expo Favela - O Desafio’, um quadro da TV Globo que ocorreu após o fim da maior exposição de microempreendedores periféricos. Tornando-se mais uma oportunidade para apresentar seu projeto: um jogo que traz como centro da narrativa a periferia.
Em entrevista à Central Periférica ele afirma que antes da pandemia considerava que a cura no mundo se daria somente pela parte científica, medicinal. Hoje, ele reconhece que isso ultrapassa o campo físico. “Resumir a cura física, espiritual e mental em arte através de um jogo foi um dos maiores desafios”, conta também o CEO da Vision 03, um estúdio de games e marketing digital afrofuturista. É preciso reconhecer que a tecnologia pode não ser só entretenimento, mas também uma ferramenta digital pedagógica diante das narrativas violentas que as grandes mídias apresentam em relação às periferias. Ainda há cura.
O jogo que também é remédio
Em uma estética 3D e desenvolvido para ser acessado por smartphones tanto em Android quanto IOS, o jogo foi pensado para oferecer uma cura aos poucos através dos minigames contidos nele diante de um cenário distópico ocorrido na Avenida Paulista, região central de São Paulo.
No jogo de aventura Bernardo, um jovem preto cientista que vem da periferia, em um mundo caótico e pandêmico precisa estabelecer a cura da humanidade. A beira de um colapso global cabe ao jogador resolver isso por meio do protagonismo negro-periférico.
O jogo que hoje em sua preparação final e sendo submetido a testes de usabilidade vem sendo acessado nas escolas públicas nas periferias paulistanas. A Cura veio mostrar que é a partir das favelas que as regiões centrais podem ser curadas. Curadas da omissão e opressão imposta nas quebradas deste país por meio de um sistema altamente viral: o preconceito. E é assim que o jogo vai se desenvolvendo através de cinco minigames, sendo eles: a travessia, a ligação, a corrida, taça Jpower, a resistência. Em cada fase é possível utilizar das emoções e do afrofuturismo a fim de prover a autocura mediante ao resgate da sua ancestralidade, como também distribuir a cura ao mundo por meio da solução que somente um cientista preto e periférico possui.
O racismo, a fome, a homofobia são como vírus. A Cura representaria um jogo que juntamente com a mudança no comportamento das pessoas serviria como o remédio para o fim dessas doenças. Principalmente colocando no centro da mecânica do game alguém que vive à margem da sociedade. Bernardo seria então um dentre os mais de 17 milhões de periféricos capazes de projetar que é nos becos que a cura poderá começar.
[Da esquerda para a direita Leonardo Garcez e Victor Garcez presentes na Expo Favela apresentando o desenvolvimento do jogo 'A Cura'. (Reprodução/Vision03)
A sua relação com a favela é desenvolver e projetar diversidades de histórias que abordem questões raciais e periféricas na indústria de games que hoje vem crescendo cada vez mais ao ir além da diversão por meio da gamificação. Por isso, ao facilitar o aprendizado de pessoas em situações reais, os jogos se tornam uma ferramenta de aprendizagem imprescindível. Há como viver uma realidade periférica, basta jogá-la.
O jogo que estará disponível somente em setembro para ser baixado nas plataformas digitais representa para a Vision 03 também uma autocura. Diante de alguns traumas familiares e sociais, os irmãos Garcez acreditam que o jogo é também uma forma de resistência. Após a morte da irmã dos dois diante de um conflito foi preciso ressignificar a cura para ambos. Assim, o jogo se materializa ao trazer cura mediante as dores de um país que permanece matando os sonhos dos jovens periféricos.
“A cura é para além do jogo. O jogo veio mostrar que ainda é muita história pra ser contada nos becos e vielas deste país”
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