Entenda o por quê a dificuldade de tratamento da saúde mental na periferia não é só tratamentos grátis, mas sim falta de políticas públicas e falhas na democracia
Caio Andrade
[Imagem/ Caio Andrade]
A saúde mental não pode ser limitada a processos terapêuticos. Isso não retira a importância desses últimos, mas reitera a ideia da saúde mental imersa em um contexto psicossocial. No caso das periferias, em específico, essa ideia torna-se ainda mais marcante. É importante entender os problemas atrelados ao tratamento de saúde mental nas periferias além da inacessibilidade à terapia. Esses problemas configuram, muito mais, um espelho da falta de políticas públicas e uma falha na democracia.
A marginalização e periferização são agravantes das dificuldades de tratamentos voltados à saúde mental [reprodução/ Instagram @crpsp]
“É importante o atendimento individualizado, é importante as pessoas serem acolhidas em seus sofrimentos, é importante que haja os mecanismos que o Estado propicia para que as pessoas tenham direito a sua saúde mental, mas se a gente continuar nessa perspectiva sem considerar que a realidade concreta do indivíduo precisa ser mudada, o tratamento mental não é efetivo”, pontua Murilo Centrone, psicólogo e conselheiro presidente da Comissão de Ética (COE) do Conselho Regional de Psicologia (CRP SP).
Para o psicólogo, que nasceu na periferia, a revolução no tratamento de saúde mental diz respeito a criar uma outra realidade, na qual as pessoas não precisam adoecer porque não têm o que comer e onde morar, por exemplo. Na condição periférica, lidar com as marginalizações sociais, resultantes das faltas de políticas públicas e assistenciais, transforma o contexto psicossocial do indivíduo um fator de dificuldade no tratamento mental.
A saúde é um direito de todos os cidadãos. [reprodução/ Instagram @crpsp]
Além disso, a psicóloga Belinda Mandelbaum, docente do Instituto de Psicologia da USP, relembra que a saúde é um direito garantido pela Constituição Cidadã, que norteia a democracia brasileira. Sendo assim, quando não se há o pleno acesso a esse direito não há democracia. “A falta de acesso aos direitos, como a saúde mental, é um índice de desigualdade social”, declara Belinda. A dissociação entre contexto social e a saúde mental exprime ainda mais falhas na democracia. Ao não garantir uma estrutura social edificada aos cidadãos, a saúde mental, além de serviços públicos, que também são ineficientes, torna-se inacessível, principalmente aos indivíduos periféricos.
Mesmo com as diversas iniciativas públicas para tratamentos terapêuticos, as condições sociais como moradia, alimentação e trabalho configuram importantes fatores e elementos para uma saúde mental estabilizada. As periferias, que majoritariamente, abrigam diversas problemáticas sociais em vista da desigualdade, acabam, dessa maneira, exigindo políticas públicas maiores, além de terapias grátis, para que a democracia seja realmente posta em prática e o direito à saúde mental seja garantido.
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