Pesquisa aponta que artistas independentes lançaram 8,5 vezes mais músicas do que as gravadoras em 2020
Por Alex Amaral, Davi Caldas, Diego Coppio, Felipe Bueno,
Guilherme Ribeiro, Julia Teixeira, Júlio Silva e Matheus Bomfim
A indústria musical passou por transformações significativas nas últimas décadas. Uma das mudanças mais marcantes foi a ascensão dos aplicativos de streaming. Ao mesmo tempo em que essas plataformas trouxeram uma revolução no acesso da população à música, produtores e artistas independentes puderam se beneficiar da alta capacidade de disseminação dessas ferramentas.
Segundo levantamento do analista Mark Mulligan para a agência britânica MiDiA Research, os artistas independentes lançaram, em 2020, cerca de 8,5 vezes mais músicas do que as gravadoras tradicionais.
Essa dinamização do processo musical permite os apps de streaming serem cada vez mais populares e atingir diferentes públicos e camadas sociais. Além disso, os músicos menos conhecidos conseguem alcançar um número mais expressivo de ouvintes.
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A modernização da tecnologia permite que os artistas independentes mantenham maior controle sobre sua produção e distribuição. Eles podem explorar estilos únicos, sem as restrições muitas vezes impostas por grandes gravadoras, conectando-se diretamente com seu público-alvo.
Com a praticidade do streaming, os artistas e produtores conseguem gravar canções em ambientes menos profissionais. A autonomia sobre a obra oferece uma maior liberdade criativa e menor rigidez sobre a parte técnica. Com isso, as músicas podem ser produzidas em espaços mais simples, como na própria casa do músico.
Apesar do sucesso, mercado independente tem seus problemas
Segundo um levantamento realizado pela Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), cerca de 53,52% dos sucessos que alcançaram o Top 200 do Spotify Brasil em 2019 foram produzidos por gravadoras independentes.
O levantamento indicou uma significativa concentração das atividades do mercado de música independente na região Sudeste do país, onde 82% das empresas desse nicho estão estabelecidas. Em contrapartida, o Centro-Oeste abriga apenas 5% dessas empresas, enquanto a região Sul conta com 2%, e o Nordeste, apenas 1%. Os 10% restantes não têm uma sede física.
A taxa de informalidade também chama atenção: mais da metade das empresas analisadas não contam com funcionários contratados sob a CLT. A maioria dessas companhias é jovem, com mais da metade delas fundadas há menos de uma década. Em 2019, o faturamento total das companhias atingiu R$140,2 milhões, sendo que metade desse montante provém de plataformas digitais. Apenas 15% de suas receitas são provenientes de fora do Brasil, indicando um forte consumo no mercado interno.
Ademais, os artistas independentes e as pequenas gravadoras possuem o desafio de manter a constância no ramo, visto que devem se especializar para acompanhar as mudanças e, muitas vezes, isso requer um investimento alto que a maioria não possui condição de financiar.
Outro aspecto relevante é a predominância masculina no mercado brasileiro de música independente. Cerca de 42% das gravadoras analisadas possuem exclusivamente homens em seus quadros. Nas produtoras que contam com funcionárias mulheres, elas desempenham principalmente funções nas áreas de marketing, recepção e financeiro, com pouca participação na produção técnica das canções.
De verso em verso, a comunidade apresenta sua arte
Com a abertura de espaços para o surgimento de mais gravadoras e artistas independentes, essa realidade aos poucos vai sendo alterada. É o que ocorre já em inúmeras comunidades espalhadas em todo o país. Aproveitando oportunidades, como projetos sociais, editais públicos e os incentivos governamentais — apesar de poucos — artistas vêm ganhando reconhecimento a partir destas pequenas produções.
É o caso da gravadora ReComunidade, localizada na São Remo, na Zona Oeste de São Paulo, fundada por Robson Dutra e Rafael Santos, também conhecidos como Robson BZK e Rafa Blackzuka (além dos outros dois sócios Josimar ‘Mamal’ Silva e Ângelo ‘Martchan’ Márcio). Eles iniciaram este projeto há cerca de três anos, durante a pandemia da Covid-19. Apesar das dificuldades, como estruturas físicas e os custos com equipamentos de alta qualidade, o projeto foi se consolidando e abrindo espaço aos sonhos de muitos artistas. Após muito trabalho e a abertura deste espaço para os talentos, Robson BZK relata que os desafios vão além de produzir e entregar música desses artistas, mas também é primordial o olhar para alguns destes que precisam de um apoio além da arte.
“Dar suporte a estes artistas vai além do que visualizar o potencial deles produzindo e gravando o som, é importante olhar a origem e entender todas as necessidades”, afirma Robson.
Mesmo com todas as adversidades, observar o crescimento — mesmo que a passos largos — de vários músicos é uma das conquistas adquiridas pelos amigos neste projeto. Como Rafael relata, por vezes são crianças que vêem na música o sonho de uma ascensão social para a família e, com o trabalho realizado na gravadora, ver o crescimento destes é uma vitória e, ao mesmo tempo, a oportunidade de mais trabalho ser feito.
“Temos artistas aqui na produtora que, com 6 ou 7 músicas, possuem cerca de 200 mil visualizações no Spotify”, conta Blackzuka.
Com o tempo, a expectativa desses produtores é que mais artistas tenham esse espaço e possam se desenvolver para alçar vôos maiores. Sabendo que, embora estejam à margem do mercado musical, eles sabem seu valor e a mudança que podem promover nas vidas que acabam cruzando pela comunidade.
Uma das maiores dificuldades deste mercado, além das já mencionadas, é a questão de divulgação. Nesse quesito, a comunidade tem cumprido um importante papel, que a produtora faz questão de retribuir. Os empreendedores do ramo de alimentação costumam colaborar frequentemente com os artistas. “Os comerciantes aqui estão muito junto com a gente, quando tem uma sessão de gravação eles sempre mandam alguma coisa. A gente liga lá e eles mandam sem cobrar nada”, explica Rafael Blackzuka. Vale ressaltar que os produtores, em troca, também divulgam o estabelecimento que faz o envio, pois acreditam que essa troca seja importante para alavancar ambos os trabalhos.
Outro empecilho mencionado na hora de impulsionar uma música é o custo de produção, dado que se gasta um bom dinheiro para fazer um clipe e, com os novos streamings, o alcance tem sido mais complexo. “Alguns clipes a gente sabe que tem que pagar para impulsionar, o artista grande pega a grana que ele ganha e já alimenta o sistema com mais marketing. Nossa dificuldade é essa grana”, lamentam Rafael e Robson.
Popularização do artista
Além da produção musical, uma das principais formas de sucesso para os artistas independentes é o investimento nas redes sociais. No Instagram, por exemplo, os músicos podem divulgar sua arte junto de fotos ou vídeos postados no feed ou no story e, dessa forma, suas músicas atingem um maior contingente de pessoas.
Na ReComunidade é incentivado que o artista participe de toda a produção de suas obras, desde a composição até a divulgação em suas redes. “É legal quando o artista consegue ter esse processo da composição, da produção, começar o marketing. Então, se a gente conseguisse evoluir eles, mesmo nesse nível, acho que teria mais chance de ter resultado”, BKZ finaliza ao dizer que a frequência de publicações — especialmente de sua rotina — vai proporcionar aos músicos uma maior aproximação com seus seguidores.