Rian E. Damasceno
Reginaldo Ramos
Reserva Veneza, Residencial Guarujá, Condomínios Praias do Atlântico, Condomínio Amazonas - Reserva Raposo, Condomínio Gran Park Eco Vida, Reserva Toscana, Flex Osasco I e II. Você piscou e mais um conjunto de prédios é levantado no bairro. Folders são entregues nas ruas e anunciam: dois dormitórios, 40 metros quadrados, piscina, gentrificação e aumento populacional na região.
Se você morou toda sua vida no sul da cidade de Osasco (SP), provavelmente, percebeu que junto a ti as construções cresceram e tomaram conta do espaço. Grandes mercados e franquias de empresas conhecidas agora fazem parte da paisagem do bairro e casas de médio e baixo padrão lutam para continuar de pé. Essas são mudanças que transformam a dinâmica da vida urbana e podem causar impactos irreparáveis.
No Jardim Conceição, tal fenômeno se tornou possível por conta do barateamento dos lotes do local. Isso porque o bairro teve uma ocupação desregulada e tardia durante a explosão industrial dos anos 30. Sua regularização fundiária foi conquistada somente em 2014 e recebeu uma urbanização medíocre que, junto à criminalidade, permite os baixos preços dos terrenos.
Os valores pequenos chamam a atenção de construtoras e comércios de médio e grande porte vem suprir as necessidades dos moradores dos novos condomínios. Essas construções cooperam para a especulação imobiliária do local e tornam o bairro a área mais populosa da cidade de Osasco, com 31 mil habitantes.
O bairro não possui estrutura para lidar com esse inchaço urbano, pois os poucos recursos de saúde, segurança e educação que tem não suprem a demanda. Com isso, a criminalidade passa a aumentar, o que faz o Jardim Conceição ser considerado uma “zona de risco” que não recebe entregas de correio e tem pedidos de corridas negados na Uber.
Celso de Carvalho, proprietário do Tacei, comércio de doces e artigos para festa no bairro há mais de 15 anos, pontuou que a chegada dos conjuntos residenciais intensificam o trânsito. “O condomínio, quando é bem estruturado, é ótimo para quem mora nele, mas para as pessoas que moram ao redor nem sempre, porque os prédios vão interferir na paisagem e no número de veículos que trazem para o local. Há condomínios que não possuem garagem. Então, imagina, cada lugar que você vai tem uma fila enorme de carro estacionado. Isso piora a situação de quem já morava no local”, acrescentou ele.
Além disso, o bairro enfrenta uma iminente gentrificação -- quando uma área antes de pessoas de baixa renda é ocupada pela classe média. Ou seja, com o aumento dessas construções, os impostos, os aluguéis e estilo de vida ficam mais caros e obrigam a migração de famílias desafortunadas para locais mais precarizados. Tudo isso devido à ganância de empresários e à falta de planejamento do governo municipal.
Contudo, as verticalizações não atingem apenas periferias e a população de baixa renda. Elas são capazes também de afetar áreas culturais e, assim, destruir prédios de riqueza histórica incalculável.
Hoje, diversos projetos propostos, tanto pelo setor privado como pelo setor público, para mudanças no espaço geográfico da cidade, seguem cada vez mais uma lógica mercadológica. Nessa perspectiva, o espaço é entendido como uma mercadoria, e os projetos para a cidade acabam por visar não mais o bem estar social, mas a valorização de localidades restritas.
Recife apresenta alguns exemplos de como essa lógica pode funcionar. Sob o pretexto de modernização, projetos que danificam o patrimônio histórico e ambiental da cidade vêm se concretizando. É o caso, por exemplo, das Torres Gêmeas, localizadas no bairro de São José.
Desigualdade social demonstrada pelo contraste de uma das Torres Gêmeas do bairro São José no segundo plano enquanto no primeiro há trânsito e pessoas em situação de rua [Imagem:Reginaldo Ramos/Central Periférica]
Na época de sua construção, as Torres receberam duras críticas da população recifense, a construção os incomodou por ser uma obra que descaracteriza a paisagem do centro histórico local, além de estar em uma área rodeada de bens históricos tombados pela IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Outra construção polêmica, é o monumental Shopping Rio Mar, construído às margens do manguezal, acarretando em grandes mudanças no frágil ecossistema das redondezas.
A “modernização” na capital pernambucana não pretende parar nessas experiências. Em debate já desde 2012, o projeto do Novo Recife pretende mudar substancialmente uma das paisagens mais emblemáticas da cidade: a área do finado Cais José Estelita. O plano de levantar um condomínio de luxo em um dos cartões postais da cidade já pôs abaixo os históricos armazéns da região. Além disso, tem intenções futuras de mudar, quase que completamente, a configuração espacial dos seus arredores e gerar uma drástica mudança na identidade visual e cultural de um dos pontos mais emblemáticos do Recife.
O abandono sistemático por parte das últimas gestões municipais do patrimônio histórico recifense contribui para que essas construções elitistas não parem de surgir. Devido aos diversos problemas que esse abandono ocasiona, a classe média e a burguesia local tendem a enxergar essas propostas como uma espécie de medida de higienização e reparo dessas localidades. Dessa forma, se alcança o objetivo real das construções que vem surgindo nos últimos anos: o lucro, ainda que em detrimento da identidade da população recifense.
Repetimos, por isso, a mesmas palavras ditas por BaianaSystem na música “Lucro (Descomprimido)”:
Tire as construções da minha praia
não consigo respirar
As meninas de mini saia
não conseguem respirar
Especulação imobiliária
e o petróleo em alto mar
Subiu prédio eu ouço vaia
Contraste urbano na cidade do Recife, a comunidade de Brasília Teimosa, no primeiro plano, divide a paisagem com os edifícios de luxo do bairro de Boa Viagem. [Imagem:Reginaldo Ramos/Central Periférica]
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