Os coordenadores da casa falam ao Central Periférica, contam as dificuldades envolvendo a gestão dos equipamentos culturais e os desafios para que eles se tornem acessíveis a todos.
Por Gabriel Eid
Salão principal da Casa de Cultura do Butantã, com a presença de intervenções artísticas e onde são realizados shows e eventos [Imagem: Gabriel Eid / Central Periférica]
Recentemente um projeto elaborado pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo e divulgado em fevereiro de 2022, provocou protestos entre artistas e produtores culturais. Trata-se de uma tentativa de privatizar as vinte Casas de Cultura de São Paulo, dividindo sua gestão com as OSs (Organizações Sociais). A estrutura dessas casas se diferem de outros centros culturais e artísticos na cidade. Foram, em sua maioria, projetadas para outras finalidades, mas ocupadas pelos movimentos culturais da periferia de São Paulo, que exigiam equipamentos que oferecessem atividades gratuitas para a população e que auxiliem na democratização da arte.
Só anos depois de ocupadas, em 1992, após intensa pressão e luta dos coletivos, que elas foram oficializadas, durante a gestão de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo, passando a ser um serviço ligado à Secretaria de Cultura. É isso que conta Danilo Leite, que há cinco anos coordena a Casa de Cultura do Butantã, a única unidade da zona oeste de São Paulo. Ele recebeu a reportagem do Central Periférica no segundo andar da casa localizada próximo da avenida Eliseu de Almeida e do Metrô Vila Sônia da Linha Amarela, onde há uma sala destinada para os trabalhos administrativos.
A Casa do Butantã foi constituída nos anos 1980, quando os movimentos culturais da região, reivindicando equipamentos culturais acessíveis para a população, ocuparam o espaço originalmente projetado para abrigar um sacolão. A partir disso, começaram a trabalhar em atividades até a sua oficialização junto à Prefeitura em 1992. Hoje o espaço possui duas salas multiuso, um ateliê de costura, um ponto de leitura, com empréstimo de livros, um salão destinado à realização de shows, eventos e oficinas, e também um grande jardim, com parque infantil e espaço que permite o recebimento de grande quantidade de público, até cinco mil pessoas. Segundo Danilo o diferencial de casas como esta é que “elas não são projetadas para a cultura, mas se transformam em equipamentos culturais, a partir da demanda da comunidade. Sempre com um caráter mais de baixo pra cima e com muito apoio dos artistas.”
No quadro de funcionários efetivados estão, além do coordenador, apenas o professor de música e uma assistente social. Os demais são dois estagiários contratados via programas da Secretaria de Cultura e oficineiros, também contratados via programas públicos, para auxiliar nas produções das atividades. Um desses oficineiros é o Clóvis Ribeiro, figura importantíssima para a cena cultural da região: foi um dos fundadores da casa, ainda nos anos 1980, e atualmente dá aulas de violão, além de apresentar o programa Olhar Cidadão na Rádio Cidadã FM - A Voz do Butantã, uma rádio comunitária. Ainda a casa conta com trabalhadores terceirizados, responsáveis pela limpeza e segurança.
Programação da Casa e construção com a comunidade
A programação dos eventos e oficinas é feita principalmente com a participação da comunidade local, a partir das demandas que chegam a partir dos coletivos e grupos culturais, da população em geral e também via formulários online. Já os artistas contratados para shows e grandes eventos são em parte indicados pelo setor de programação da Secretaria de Cultura e outra parte a partir de contrapartidas digitais e de propostas da equipe da própria casa junto artistas do bairro. Todo o orçamento tem que ser enviado via edital e aprovado pela secretaria.
No último mês de junho foi realizada uma festa junina nos finais de semana e neste mês de julho será realizada uma programação especialmente dedicada ao hip hop. Também, no dia 25 de junho, um sábado, foi exibido pela primeira vez um documentário produzido pelo Coletivo Da Quebrada, grupo audiovisual da região, que contou a história da Casa, em comemoração aos seus trinta anos, e da comunidade vizinha. Além disso, atualmente estão sendo oferecidas cerca de vinte diferentes oficinas e aulas, de segunda a sábado, como as de teatro, de violão, teclado, kung fu, yoga, palhaçaria, desenho e contação de histórias, todas gratuitas.
Pátio da Casa de Cultura do Butantã, onde foi realizado uma festa junina nos finais de semana do último mês [Imagem: Reprodução/Instagram]
Show realizado no pátio da Casa com capacidade de até cinco mil pessoas [Imagem: Reprodução/Instagram]
Desafios para a democratização
Para Danilo e Clóvis, o objetivo da casa é justamente dar voz para os artistas locais e tendo oportunidade para iniciar uma carreira. “Quando a nossa casa sediou a Mostra de Cultura em 2019, foram mais de cem artistas de mais de trinta lugares, muitos deles aqui do bairro e de diferentes áreas como teatro, música, poesia e artes plásticas”, dizem. E para Clóvis a ideia é que a concentração dos artistas participantes não ficassem só no Butantã, mas que atingisse regiões mais periféricas: “A proposta do Fórum e das Mostras de Cultura é justamente essa. Fica muito cômodo para a gente ficar só aqui próximo da casa. Mas em outras regiões há uma demanda muito grande, que muitas vezes não é atendida. Existem diversas pessoas de locais como Jardimoão XXIII, Cohab… que ainda não tem acesso”.
Danilo cita que depois que o metrô chegou para os arredores da casa, ela virou um lugar muito conectado com o centro. Diz que qualquer pessoa da cidade consegue acessar o espaço por conta disso, mas para quem mora nos extremos da periferia ainda é difícil acessá-lo: “A ideia das casas de cultura é estar conectada com a periferia. Mas quem vem da João XXIII, por exemplo, até ir até a nossa casa do Butantã e voltar demora, talvez fique mais rápido até ir para a Paulista pelo metrô.” O coordenador também fala que apesar de existirem poucos espaços da prefeitura na região, há uma intensa concentração de polos culturais não oficializados, citando a Praça Elis Regina e a Festa do Boi.
“Próximo da Raposo (Rodovia Raposo Tavares), por exemplo, há muitos coletivos que se organizam. Tem dificuldades de se apresentar no centro, mas vão para locais próximos como Osasco, centro Taboão… Então a nossa função é atender todos esses territórios.", afirma Danilo, que acrescenta: “a função da casa não é focar nos “artistas grandes”, mas sim nos artistas que estão começando, assim como propostas alternativas (como teatros experimentais), dando oportunidades para que eles se profissionalizem: “Tem muitos artistas que chegam para falar com a gente, que ainda nem tem um currículo profissional. E a nossa função é auxiliá-los nesse processo”.
Intervenções artísticas nas paredes do salão principal da Casa, com piano ao fundo [Imagem: Gabriel Eid/Central Periférica]
Perguntado sobre o projeto de privatização, que entregaria parte da gestão para a administração das OSs (Organizações Sociais), Danilo diz que não tem uma opinião formada. Mas garante que isso “não está no papel” e por enquanto é apenas um “projeto de gabinete”, que não foi discutido e conversado, nem com os coordenadores da Casa, nem com a população que a frequenta. Para ele, um sério problema pelo qual os trabalhadores da casa passam hoje é a falta de equipe e a sobrecarga de trabalho. Ele diz que em diversos momentos precisa estar em outros locais da região, fazendo reuniões de editais e de curadoria com grupos culturais, o que a própria secretaria exige dele. E diante disso, na sua ausência, muito serviço acaba se acumulando principalmente entre os trabalhadores terceirizados, que acabam até realizando atendimentos ou outras funções que não lhes competem.
O coordenador ainda diz: “Eu, como qualquer funcionário, também preciso de férias. Ainda bem que nós temos uma equipe pela qual eu tenho total confiança (apontando os Clóvis, os oficineiros, os estagiários e os terceirizados). Mas mesmo assim é desgastante”. Fala que nas atividades em que há a necessidade de pessoas especializadas, como montagem de palco e testagem de som, há a falta desses técnicos, o que acaba sendo feito pelos próprios funcionários regulares da casa. E conta que no passado havia mais trabalhadores na casa, muitos deles que estavam desde a fundação, mas que foram se aposentando, sem haver uma nova contratação.
Para ele, é preciso buscar soluções para isso: “A mim não compete dizer quais serão essas soluções, se será a contratação de mais gente ou a criação de mais cargos comissionados, ou o que quer que seja. Mas sim, levantar esses dados e mostrar os problemas que existem.”
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