Todas as terças, ininterruptamente, a noite paulistana abriga o canto e o declame dos poetas da Cooperifa, sarau que há mais de vinte anos dá espaço para vozes periféricas serem escutadas e reforça o acesso à cultura como direito essencial à efetivação da cidadania.
Por Yasmin Lima de Araújo
[Foto- @Cooperifa.oficial]
“Povo lindo, Povo inteligente!”. Assim o poeta e idealizador do projeto, Sérgio Vaz, saúda o
público e dá início as noites de muita poesia no sarau da Cooperifa. Os poetas vão chegando aos poucos e substituindo com seus versos, o silêncio reverente do público que ocupa o espaço do bar do Zé Batidão, no Jardim Letícia, extremo sul de São Paulo.
A luta contra o racismo, a dor do abandono paternal, as dificuldades da opressão diariamente sofrida pela população periférica, são algumas das temáticas que ganham recinto na voz do poetas e poetisas da Cooperifa (cooperifa.oficial), os quais assumem seu local de fala e cantam ou declamam, através de seus poemas, a vivência periférica, formando assim um centro cultural popular produzido pela periferia para a periferia. Lugar no qual, segundo Vaz “A poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade”.
Vozes da Periferia
Na Cooperifa, as produções artísticas são utilizadas como meio de resistência, abrindo espaço para denúncia da mazelas sociais e incentivando a reflexão sobre a realidade da periferia.
Apresentado ao projeto através de amigos, Marcio Vidal frequenta a Cooperifa há quase duas décadas. Professor da rede municipal de ensino e poeta, autor de 4 livros publicados, ele explora em suas obras diversas temáticas, dentre elas, sua vivência periférica e docente ganham espaço.
Marcio Vidal, 37,Professor e poeta. [Foto Sérgio Vaz]
Sua obra “Pátria sem Licença” reflete sobre um país que não só não valoriza seus professores, mas os deprecia. A composição denuncia o descaso por parte de uma parcela dos agentes políticos e da população em relação aos profissionais. “Existe uma demagogia grande. Embora seja vista como uma profissão nobre, os professores são retratados como vagabundos por quererem a garantia de seus direitos”.
Para ele, a Cooperifa ao dar espaço para vozes periféricas retratarem sua realidade social, dando luz a temas que urgem ser discutidos para que haja uma mudança efetiva na realidade periférica e, ao democratizar o acesso à cultura de qualidade, para uma população historicamente excluída do processo de produção cultural, revoluciona: “A Cooperifa é um núcleo de resistência, descentralizou a arte; mostra que ela é para feita todos”, diz Marcio.
Lugar de mulher é onde ela quiser
Imprimindo a perspectiva de uma mulher negra e periférica a suas produções artísticas, Kelly Neriah, frequenta o sarau desde 2004, e encontrou na Cooperifa um espaço de resistência e aprendizado.
Kelly Neriah,38, Cantora, Compositora, Rapper [Foto Ricardo Vaz]
“A Cooperifa para mim representa resistência, representa força, representa gratidão. Toda vez que eu vou, eu saio de alma lavada, eu saio pronta para recomeçar. Posso dizer que faz parte do meu caráter, eu aprendi o que é um poema, o que era recitar na Cooperifa”, diz Kelly.
A cantora e compositora se debruça sobre temas como o empoderamento feminino e a
valorização da periferia. E acredita na arte como instrumento capaz de promover mudanças sociais concretas, um instrumento de transformação.
Kelly ainda destaca o poder transformador do sarau na vida da população periférica.“A
Cooperifa é necessária. Quem dera que em cada canto de São Paulo, do Brasil, do mundo tivesse uma Cooperifa...eu tenho certeza que muitas cabeças mudariam, que muitos jovens teriam mais sonhos, teriam onde se expressar. A Cooperifa é simplesmente necessária, mostra que periferia tem muita gente boa, muita gente de bem”, completa Kelly.
Artes em todas as suas formas.
Além do sarau, a Cooperifa desenvolve outras iniciativas culturais. A exemplo do “Cinema na Laje”, projeto subjacente ao Cooperifa que leva cinematografia de qualidade e de criticidade para a população periférica, instigando os espectadores a pensar sobre a estrutura da qual fazem parte a partir de uma nova perspectiva. Outra iniciativa chama-se “Ajoelhaço”, ato no qual, no dia em comemoração ao dia internacional das mulheres, 8 de março, homens ajoelham e pedem perdão pelos séculos de opressão às mulheres; o “Poesia no Ar”,difunde, literalmente, a poesia pelos ares de São Paulo; balões com pequenos versos são soltos e levam longe a cultura periférica pela cidade.