O Central Periférica conversou com o ECursinho, o cursinho popular gratuito da ECA, sobre a importância dessa iniciativa, os desafios do ensino a distância e as perspectivas para o futuro do projeto.
Por Camilla Almeida e Thaís Moraes
Desde o começo da pandemia, milhares de escolas tiveram que se adaptar ao ensino à distância, gerando prejuízos para os estudantes, especialmente aqueles mais desfavorecidos socialmente. Muitos precisaram abrir mão dos estudos, ou conciliá-los com uma rotina de trabalho, o que afastou o sonho de ingressar na faculdade. Então, em meio a tal contexto de desigualdades, os cursinhos populares representam uma oportunidade de continuar a sonhar.
Adrielly Azevedo, estudante de Publicidade e Propaganda da USP, destaca: “A educação não é distribuída no Brasil de maneira igual, então acho que a gente começa nesse ponto. O mais importante é a oportunidade de estudar.”. Adrielly integra a equipe do ECursinho, cursinho popular da Escola de Comunicações e Artes da USP, que surgiu em meio à pandemia.
Por meio de trabalho voluntário, projetos como o ECursinho visam oferecer gratuitamente aulas preparatórias para o vestibular. O público é composto de alunos de escola pública ou de periferias, que foram os mais afetados pela defasagem do ensino na pandemia. O objetivo principal é democratizar a educação e ultrapassar o abismo entre o ensino médio e a faculdade, atravessando questões socioeconômicas.
De aluno para aluno
O grande diferencial de cursinhos populares, em especial o ECursinho, é que, além de contar com professores voluntários, muitos deles são, também, estudantes universitários. Assim, com realidades parecidas, fica mais fácil estabelecer uma conexão. “Eu estou como professor, mas eu sou um aluno também”, diz Caio César, professor do Ecursinho. “Então eu tentei deixar [minha aula] da forma mais horizontal e informal possível, para que eles tivessem a liberdade de conversar comigo.” Uma vez que a relação aluno-professor é mais próxima, existe mais espaço para o acolhimento dos alunos em situação de vulnerabilidade.
Muitos sentem falta de conteúdos básicos, e, ao prestar vestibular, deparam-se com questões complexas, o que gera desmotivação. “Em vestibular, ninguém sabe tudo”, diz Caio. “É impossível saber tudo. Essa foi uma das primeiras coisas que eu falei, acho que para tirar esse peso de todo mundo”. Para ele, esse contato entre alunos e professores é especialmente importante, porque permite incentivar os estudantes que mais precisam. “Geralmente a pessoa em situação mais pobre não consegue nem sonhar. Porque os ‘B.O.s’ que ela está enfrentando, ali na realidade em que ela vive, não deixam ela pensar ‘Mano, eu vou estudar’”.
Para Jade Gluck, aluna do projeto, a preocupação dos professores ultrapassava a sala de aula, e foi essencial para manter a motivação ao longo do trajeto até o vestibular. Quando não pôde ir à aula, conta, “O professor até me mandou uma mensagem. ‘Você nunca falta, está tudo bem?”.
As dificuldades da pandemia
Apesar de todo apoio e comprometimento, tanto por parte dos professores como dos alunos, a jornada até os vestibulares não foi simples. Uma das principais dificuldades enfrentadas foram os déficits educacionais, em grande parte causados pelo ensino remoto. Além disso, outro obstáculo a ser superado foi a falta de interação entre docentes e discentes. “Será que eles estão realmente prestando atenção? Será que eu estou falando muito? No presencial você consegue perceber.”, conta o professor Caio.
No entanto, o ECursinho pretende continuar com suas atividades on-line. Dessa forma, consegue alcançar um público maior, em especial alunos que não teriam condições de frequentar um cursinho presencial em São Paulo. “Para quem está em São Paulo, o cursinho presencial é mais fácil. Agora, para alguém que mora em uma cidade do interior do Amazonas, é mais difícil ter um cursinho, ainda mais presencial.”, conta Adrielly. “Obviamente a gente perde alguns pontos, porque a presença é muito importante. Mas eu acho que vale a pena, para fazer com que as pessoas de longe consigam alcançar espaços também.”
A ideia
“Estávamos conversando sobre como era difícil entrar numa universidade pública, e sobre como a gente achava que tinha o cursinho [da ECA]. Aí a gente falou: ‘Ah, uma entidade em que eu queria participar seria um cursinho popular da ECA’. Aí a gente descobriu que não tinha.”, relata Adrielly. Com a ajuda de outros estudantes, que notaram a falta de um projeto como esse, começou a busca por apoio institucional. Hoje, eles contam com a parceira do sistema Anglo, que fornece material didático para os alunos. “É muita responsabilidade para quem está começando, mas meio que veio com essa vontade.”, explica Adrielly. “Eu vim de um cursinho popular, então queria que outras pessoas também tivessem essa oportunidade”.
Depois dessa etapa, chegou a hora de ir atrás do corpo docente. Caio César, professor de geografia do ECursinho, conheceu a iniciativa por meio das redes sociais, e conta que já desejava se envolver com trabalho voluntário. “Falei: estamos passando por um momento complicado na história da humanidade, e qual vai ser a minha contribuição para ajudar alguém? O que eu posso fazer?”
Após a estruturação administrativa do cursinho, faltava o mais importante: os estudantes. A ex-aluna Jade Gluck, agora caloura de Marketing na USP, conta que também soube do projeto por meio da internet. “Fomos a primeira turma deles. Eu me inscrevi e então houve um processo seletivo, você respondia um formulário e depois fazia uma entrevista. Perguntaram como eu estudava, como era minha rotina, e se eu já tinha participado de algum projeto social”, relata Jade. Em sua opinião, o que aprendeu de mais importante não foi o conteúdo dos exames, mas a organização.“[O cursinho] ajudou a criar um pouco de disciplina nesse sentido, de estudar sozinha e tal. Porque quando eu chegava na minha casa, ligava o computador, eu estava cansada? Sim, mas tinha uma pessoa lá me ensinando.”
A importância dos sonhos
Tendo em vista as profundas desigualdades que marcam a educação no Brasil, os cursinhos populares são iniciativas que lutam por uma sociedade mais igualitária. O principal objetivo dos voluntários do projeto, mais do que ensinar química ou geografia, é reacender o sonho de cursar o ensino superior em estudantes que, de outra forma, não enxergam essa possibilidade.
“A grande importância dos cursinhos comunitários é mostrar para essas pessoas - que acreditam que é impossível, que não é pra elas - que nada disso é verdade. Não só é possível, como é o lugar de vocês.” diz Caio César. Para ele, o trabalho voluntário tem ainda mais significado: Caio conta que também não acreditava em seu próprio potencial. “Eu era essa pessoa, que falava: “Não vou nem me dar o trabalho de fazer o vestibular, porque eu nunca vou passar’”.
Apesar de todo o esforço árduo e incentivo aos alunos, Adrielly descreve a sensação de ver os estudantes aprovados como muito prazerosa. “Era muito legal ver pessoas que tinham dificuldades em certas disciplinas irem exatamente para aquela área de estudo, e se descobrirem. [...] Foi muito gratificante, sabe? A gente não só jogou conteúdo para eles. Nós fomos um ombro amigo”. No fim das contas, o que sustenta os cursinhos populares - e, em especial, o ECursinho - é a crença de que a educação é capaz de transformar a realidade. Ou, nas palavras de Adrielly: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.
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