Educação domiciliar é projeto de lei e alvo de decisões jurídicas; prática é reprovada por especialistas em educação.
Por Natalia Nogueira e Nícolas Dalmolim
[Hedeson Alves/Governo do Paraná/Reprodução]
Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3179, que regulamenta a educação domiciliar (homeschooling) no Brasil. O documento prevê a possibilidade dos pais educarem os filhos em casa, a partir da matrícula em uma escola tradicional. A proposta de autoria do deputado Lincoln Portela (PL/MG) está parada no Senado e é rejeitada por pedagogos.
A Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) alega que, em 2019, mais de 15 mil estudantes estavam em homeschooling. No seu site, a instituição nega o conservadorismo da ideia e coloca como seus benefícios o “desenvolvimento de forma personalizada [do aluno]”, o estímulo ao senso crítico e o “emprego de novas estratégias de aprendizado". A ANED não respondeu ao pedido para entrevista*.
Na educação domiciliar, o estudo pode ser guiado pelos pais com auxílio de material didático específico, ou ainda por meio de professor particular. Organizações como a Homeschooling Brasil fornecem suporte para esses responsáveis, e recusaram conversar com o Central Periférica*. O modelo ainda não é legalizado no Brasil, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos. De acordo com juristas, ele vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No início de junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de uma família para educar uma criança em casa. O colegiado também determinou a matrícula e frequência obrigatória do menor em um estabelecimento de ensino. A decisão unânime foi baseada no entendimento de que a criança estava sendo privada de seu direito à educação.
Segundo o Instituto DataSenado, o número de apoiadores ao ensino domiciliar no Brasil cresceu de 20% para 36% entre 2019 e 2020. Foram levantados na pesquisa os motivos pelos quais os responsáveis são adeptos a esse tipo de ensino e o porquê no caso de rejeição. Veja nos gráficos a seguir:
[Portal Institucional do Senado Federal - DataSenado/Reprodução]
O que dizem as pedagogas
De acordo com Silvia Colello, docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), o homeschooling distorce o ato de aprender. Ela acredita que os defensores do projeto pensam a escola como um “pacote de conteúdos” para os alunos. “Educação não se faz com mera transmissão de conhecimento. Para educar é preciso problematizar, favorecer a pesquisa, ensinar a estudar, discordar e provocar para expor conhecimentos”, diz Silvia.
Celina Ghisloti, professora de Língua Portuguesa em uma escola pública do estado de São Paulo, atua como docente há mais de 10 anos e acredita que o estilo de homeschooling não substitui o professor em sala de aula. “Geralmente ele [aluno] não tem base em casa que possa ajudar. Assistir a uma videoaula é até interessante, mas como complemento”, afirma.
Para Carlota Boto, diretora e professora da FEUSP, o PL 3179 é um retrocesso. Segundo a profissional, escola e família são importantes para a formação da criança, mas devem manter-se separadas. “A função da escola, além de preparar o terreno para a aquisição da cultura letrada, é preparar a criança para o mundo", comenta.
Na visão de Ghisloti, há uma valorização do convívio coletivo nas escolas. “Desenvolver-se socialmente [na escola] é muito importante. Uma hora o aluno vai ter que sair de casa, vai ter que trabalhar, e [na educação domiciliar] ele não desenvolveu esse lado”, enfatiza. Boto questiona: “Quem preparará a criança para o mundo social, para a convivência com aqueles que são diferentes de sua família?”.
As pedagogas também reforçam o papel das instituições de ensino como política pública. Celina lembra a questão da alimentação: “além de garantir o estudo em si, os métodos, tem a comida”, declara. Silvia afirma a importância do ambiente escolar bem estruturado e diz que “para a criança aprender é preciso circular em diversos âmbitos, como um laboratório de ciências, um ateliê de artes, uma biblioteca”.
Sobre a educação domiciliar como maneira de aperfeiçoar o ensino no país, Carlota enfatiza: “há de se melhorar a escola e não substituí-la pela família”. Já Colello salienta a capacitação docente: “por mais que os pais sejam geniais e estejam bem preparados, [as habilidades deles] não podem se comparar ao conhecimento de mais ou menos 60 professores que a criança encontrará até o Ensino Médio”.
*Além dessas instituições, pais que praticam homeschooling foram procurados para comentar sobre o assunto. Eles não responderam ou não quiseram dar entrevista. Caso defensores do homescholling se manifestem, a reportagem será atualizada.
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