Dentre os diversos problemas, as raízes antidemocráticas e a impraticabilidade do programa na rede pública são as mais citadas pelos opositores da reforma, que apoiaram o governo Lula na suspensão.
Por João Chahad, Renan Affonso, Jônatas Fuentes, Lívia Uchoa, Gabriel Reis, Isabella Gargano
Manifestação organizada pela UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) pela revogação do Novo Ensino Médio. [Arquivo Pessoal/Gabriel Reis]
Durante o governo de Michel Temer, foi assinada em 23/09/2016 a Medida Provisória 746 que instituiu o chamado Novo Ensino Médio (NEM). Cerca de cinco meses depois, essa MP foi convertida para a lei 13.415. A cada processo de efetivação deste projeto, diversos setores da sociedade civil e parlamentares manifestaram contra a transformação, com falas que destacavam a falta de recursos da rede pública para a implantação integral e a instrumentalização da educação. Mesmo assim, o NEM entrou em vigor amplamente no começo desse ano, mas já foi suspenso em 5 de abril pelo atual governo por ao menos 60 dias.
Essa decisão foi tomada por conta das evidentes falhas de implantação do processo: com o despreparo dos professores, a falta de aceitação do modelo pelos alunos e a ausência de estrutura (principalmente) da rede pública trouxeram luz ao debate inicial da proposta. Sem o contato com os alunos, coordenadores e educadores, o Novo Ensino Médio já nasce imerso em problemáticas. Guilherme Cortez (PSOL), deputado estadual em São Paulo, engajado nos movimentos estudantis antes mesmo de seu mandato, afirmou em uma entrevista para o Central Periférica: “a reforma nos foi dada de uma forma totalmente antidemocrática", e acrescenta: "sem diálogo com a sociedade civil, movimentos ou entidades”.
Essa retórica excludente do projeto é abordada também pelo aluno Lucas Alonso, estudante da rede estadual paulista. Ele destaca como os professores não se sentem à vontade para ministrar aulas que não concordam ou que não possuem a devida competência para atuar: “Eles (os professores) também falam muitas vezes que não é aquilo que eles querem continuar aplicando para os alunos”. Além disso, Lucas fala também sobre a importância de ouvir a opinião dos alunos sobre mudanças estruturais do ensino: “porque é a gente que vive, a gente que está no dia a dia, sentindo na pele. Então, o principal fator é o aluno”.
Jovem em manifestação pedindo a revogação do Novo Ensino Médio [Arquivo Pessoal/Gabriel Reis]
Segundo o portal do MEC, o projeto tem como princípio o oferecimento de “oportunidades equivalentes às ofertadas nos principais países”, com a consideração das “necessidades individuais dos estudantes”. Está na lei a alteração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a criação de itinerários formativos, a escolha de qual núcleo de matérias o aluno irá se destinar e a formação dos professores para lecionar determinada matéria. Além disso, o projeto exclui certos conteúdos do currículo obrigatório, como ciências da natureza, ciências sociais e filosofia, e determina somente matemática e língua portuguesa como fixas em todos os núcleos.
Estruturas frágeis
Com a aplicação ampla do NEM em 2023, foi observado em diversas redes de ensino e, de forma mais precária, nas instituições públicas que grande parte das informações que constituem a lei não foram contempladas integralmente. “Isso é uma realidade na maioria das escolas públicas brasileiras; não dá para a gente ajustar ou revisar algo que parte de premissas equivocadas”, afirma Cortez, que diz manter diálogo com diversos setores da educação.
A própria estrutura educacional não está preparada para receber o Novo Ensino Médio, e isso fica evidente na preocupação com o desempenho nos vestibulares, como cita Vitória, da Escola Estadual Martim Francisco, na Zona Sul de São Paulo. “Sinceramente não tem como passar no vestibular com o que dá na escola, principalmente agora sem as matérias básicas” afirma a aluna sobre o esquema de itinerários sem fundamentos e a mudança na BNCC. Segundo ela, a proposta não saiu como deveria, e a modernização propagada não foi sentida por ela: “eu acho que o ensino médio antigo é melhor do que o de agora, com certeza”.
O NEM como está configurado é impraticável pela rede pública de ensino, por conta da grande necessidade de recursos físico e técnicos que não são vistos nesses locais. Aliado a isso, a educação brasileira não possui estruturas suficientes para amparar o aluno vestibulando e o que já está imerso no mercado de trabalho. “Nenhuma reforma pode ser construída ou persistir sem ser criada a partir das demandas daqueles que vão ser impactados por ela”, diz Cortez acerca da ausência de sentido da lei. O deputado finaliza ao citar que “o Novo Ensino Médio já nasceu ‘velho’ e derrotado” e completa que a suspensão não soluciona o problema por completo: “a revogação é urgente”.
Veja a cobertura fotográfica da manifestação do dia 19 de abril pela revogação do novo ensino médio e pela paz nas escolas.
Ouça também o podcast com entrevistas com representantes de entidades estudantis, estudantes do ensino médio e Thiago Torres, o Chavoso da USP.
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