Educadores propõem, presencial e virtualmente, análises filosóficas de assuntos cotidianos
Por Mariana Zancanelli
Nesta segunda reportagem abordando projetos que visam facilitar e incentivar os estudos dos alunos, o Central Periférica conversou com professores de filosofia. Além disso, docentes e alunas contaram como enxergam o atual contexto educacional da rede pública. Confira a primeira matéria, que deu enfoque maior para projetos sociológicos, clicando aqui.
Mês da Consciência Negra
Em 2021, professores de ciências humanas de uma escola da rede pública se reuniram para realizar um projeto interdisciplinar a respeito do mês da consciência negra e os tipos de violência. Entre eles, estava o professor de filosofia Marcelo Gomes.
O educador conta que seu planejamento foi levar referências populares e periféricas para os debates, tal como o massacre no “Baile da 17”, em Paraisópolis. Muitos alunos se identificaram com a realidade dos jovens que foram mortos — seja devido à idade, à raça e/ou à condição social —, alguns até mesmo já tinham frequentado o baile, narra Marcelo. “Então foi toda uma mobilização interessante, eles elaboraram painéis para registrar as reflexões. Eu percebi sim que teve um engajamento mais, um compromisso maior da parte deles”, acrescenta.
A partir desse episódio, o professor conseguiu desenvolver com a classe alguns conceitos estudados pela filosofia, como o poder do Estado e do exercício da violência para "segurança". Além disso, analisou com os estudantes como essa dinâmica repercute na vida do jovem de periferia.
Filosofia e sociologia na cultura pop
O que o MC Kekel tem a ver com Zygmunt Bauman? E como Durkheim analisaria as atitudes da Viúva Negra, dos filmes da Marvel? Essas e muitas outras questões são respondidas pelo professor Edmundo Steffen em suas redes sociais.
O docente se propõe, desde 2020, a relacionar temas em alta entre os jovens com grandes autores da filosofia e da sociologia — seja por meio de postagens no Instagram e no Twitter, seja em sua sala de aula.
Para o professor, é fundamental associar as disciplinas à realidade dos alunos. “Essa é uma forma que Paulo Freire nos ensina a educar, o aluno não é uma folha em branco, ele possui ideias, vida e experiências. Então, trazer isso para assimilar o conteúdo é fundamental.”
Apesar de não acreditar que a democratização do conhecimento se dê pela internet — visto que, entre outras coisas, cerca de 33 milhões de brasileiros não têm acesso a este recurso —, o docente reconhece que essa é uma ferramenta importante. “É um caminho para, até mesmo, reivindicar essas questões e conscientizar sobre elas, para iniciar debates.”
A percepção de estudantes
Para as irmãs Beatryz, Nicolle e Laura Pechutti — alunas da mesma escola em que o professor Kassiano leciona — a maneira de ensinar está atrasada. “As coisas estão meio ultrapassadas, meio tradicionais demais”, diz Beatryz. As jovens revelam que gostariam de ver mais uso de tecnologia e mais dinamicidade em sala de aula.
As gêmeas Nicolle e Laura relatam ter certa dificuldade para fixar conteúdos, inclusive nas aulas de Projeto de Vida, mas sentem que essa tarefa se torna mais fácil quando há uma atividade diferente durante a explicação. As meninas complementam contando que a turma se desconcentra muito rapidamente, e reconhecem a batalha que os professores enfrentam ao disputar a atenção dos estudantes com os celulares, por exemplo.
Beatryz concorda com as irmãs e reconhece a responsabilidade que todos devem assumir: “eu acho que a questão do ensino é uma via de mão dupla. É um relacionamento. Então, se os alunos não estão indo bem, acaba que os professores também ficam desanimados.”
A discente acrescenta que, desde que começou a fazer parte do grêmio escolar, tem aprendido a olhar para as diferentes posições de uma situação. “O grêmio, querendo ou não, é política. Você vai ouvir de dois lados. Eu acho que ele ajuda bastante nisso da gente se comunicar, tanto de aluno para aluno ou de aluno para a diretoria, que às vezes está num patamar de poder maior. É importante a gente mostrar que também tem voz ali.”
A partir das aulas de sociologia do professor Kassiano, Beatryz desenvolveu certo interesse pela política. A estudante avalia as aulas como muito importantes e úteis, especialmente no contexto pré-eleitoral — dado que praticamente toda sua turma irá votar, pois já estão no 3º ano do ensino médio. “A gente acaba discutindo muito em sala de aula, fazendo perguntas, tirando dúvidas. Nunca foi informado para gente o tema que ele está passando.”
As irmãs concluem, então, que o interesse delas pelas disciplinas varia muito de acordo com a abordagem de cada professor, e que até mesmo as matérias menos atrativas podem conquistar os estudantes, quando ministradas de forma dinâmica.
Problemas institucionais
Para o professor de filosofia Roger Montemor, há um certo desprezo dos estudantes pela instituição escolar como um todo, em especial na rede pública e na periferia, embora ele não queira generalizar. “É como se a escola não fizesse sentido para esses alunos”, explica.
O docente argumenta que, se os salários fossem maiores, seria possível realizar trabalhos melhores com cada turma. Nas atuais condições, um professor precisa preencher todos os seus horários com aulas para ter um salário razoável, e, por isso, falta tempo e sobra exaustão. Roger acrescenta que a preparação de aulas é fundamental, principalmente quando se é necessário refletir sobre estratégias para conquistar o interesse da turma.
Além disso, a pequena quantidade de horas reservadas no currículo para filosofia e sociologia dificultam o processo educacional, no sentido em que comprime a abordagem de temas e não colabora com a realização de atividades que demandam mais tempo.
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